Este texto abaixo foi postado em 2010 e reposto porque hoje lembrei dele e de como o compus de ouvir meu irmão contando e de um amigo lá do sul que morava em lugar semelhante. Espero que curtam.
O blogueiro
Sobre
o monte fez uma mansão. Obra faraônica ao lado de uma reserva de floresta. Os
quatis passeavam pelos corredores, a noite já pensara ouvir miados de onça,
abaixo um riacho ou veio de água também era ouvido. Pelos enormes vidros do
corredor interno ao lado do quarto viam-se macacos saltando pelas árvores
próximas.
Dentro
da mansão-casa, nos seus domínios mantinha um angorá de estimação, posudo,
doméstico e acomodado. Os vidros lhe davam a visão do pôr-do-sol e o amanhecer mais
lindo do monte, a ver o mundo como Zeus, mas os quatis que passeavam fora não
via o gato – as janelas tinham vidros especiais. Via-se de dentro para fora,
mas não de fora para dentro.
Numa
manhã o dono acordou com um tóc-tóc de leve. De inicio não se incomodava,
virava e dormia, sonolento. O que era? Não, não tinha forças para levantar,
cansado. As crianças viram - Papai, é um lindo pica-pau! Os filhos admiravam-se
de ver um pássaro arisco e tão próximo – os vidros especiais permitiam. Eles o
viam, mas o pássaro via a si mesmo. Estava medindo força com um rival, seu
reflexo. A casa ali era perfeita, mas o guarda florestal advertiu, era próxima
de uma reserva e o invasor eram eles. As crianças desciam pelas trilhas e
voltavam com os olhos brilhando ante a diversidade e exuberância. A esposa e as
crianças adoram a moradia, mas nas primeiras horas do dia aquele tóc-tóc e com
o passar do tempo a ave estava mais insistente. É a fase de acasalamento, estão
no cio – explicava o policial do IBAMA – e matá-lo é crime inafiançável, heim!
Dá cadeia mesmo, é pior que sonegar imposto. O amigo biólogo o acalmava – é um
casal, não vê? Ela fica lá na árvore comendo bichinhos e ele vem até ao vidro
para defender o território. O dono limitou-se a pôr um mourão para atrair os
batuques daquela ave topetuda, ia enganá-la, mas pica-pau não pica pau morto,
desiludiu-lhe o guarda.
Cansado
e de olheiras, não estava a fim de discutir o sexo das aves, mudou-se de
quarto, para o lado oposto da casa, onde seu gato perambulava com maciez e
miava sutil, era um recuo estratégico, até que as aves findassem as sessões de
acasalamento. Mas qual o quê?
Por estranho
motivo, na manhã seguinte a ave bicava a janela de seu novo quarto e mais
intensamente. Parecia que seus hormônios afloravam de vez e lutava com um bando
na janela. O gato o viu, mas o intruso só via o oponente empenado. O felino
subiu sobre um móvel e batia a pata no vidro para afugentar o intruso. O
pica-pau voltava com manobras e loop de voo e atacava a vidraça como esquadrilheiro,
mas de susto o gato perdeu o equilíbrio, caindo se agarrou num xaxim da parede
que se esfarelou no chão e caiu em pé rosnando. Miava feito uma onça, a
predador, voltou sobre o móvel saltando e arranhando as paredes e tentava
revanche contra o bicudo que enchia a janela de tóc-tóc desesperados.
Se as crianças abrissem a janela para a ave entrar, o
outro lado da realidade seria mais fatal ao pássaro. Mal sabia a ave nervosa
que lutava com um pica-pau imaginário, podia ser comido por um gato invisível e
morto numa toca de humanos.