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sábado, 19 de maio de 2012

Este texto abaixo foi postado em 2010 e reposto porque hoje lembrei dele e de como o compus de ouvir meu irmão contando e de um amigo lá do sul que morava em lugar semelhante. Espero que curtam.
O blogueiro

          Casa na enseada
           Sobre o monte fez uma mansão. Obra faraônica ao lado de uma reserva de floresta. Os quatis passeavam pelos corredores, a noite já pensara ouvir miados de onça, abaixo um riacho ou veio de água também era ouvido. Pelos enormes vidros do corredor interno ao lado do quarto viam-se macacos saltando pelas árvores próximas.
            Dentro da mansão-casa, nos seus domínios mantinha um angorá de estimação, posudo, doméstico e acomodado. Os vidros lhe davam a visão do pôr-do-sol e o amanhecer mais lindo do monte, a ver o mundo como Zeus, mas os quatis que passeavam fora não via o gato – as janelas tinham vidros especiais. Via-se de dentro para fora, mas não de fora para dentro.
            Numa manhã o dono acordou com um tóc-tóc de leve. De inicio não se incomodava, virava e dormia, sonolento. O que era? Não, não tinha forças para levantar, cansado. As crianças viram - Papai, é um lindo pica-pau! Os filhos admiravam-se de ver um pássaro arisco e tão próximo – os vidros especiais permitiam. Eles o viam, mas o pássaro via a si mesmo. Estava medindo força com um rival, seu reflexo. A casa ali era perfeita, mas o guarda florestal advertiu, era próxima de uma reserva e o invasor eram eles. As crianças desciam pelas trilhas e voltavam com os olhos brilhando ante a diversidade e exuberância. A esposa e as crianças adoram a moradia, mas nas primeiras horas do dia aquele tóc-tóc e com o passar do tempo a ave estava mais insistente. É a fase de acasalamento, estão no cio – explicava o policial do IBAMA – e matá-lo é crime inafiançável, heim! Dá cadeia mesmo, é pior que sonegar imposto. O amigo biólogo o acalmava – é um casal, não vê? Ela fica lá na árvore comendo bichinhos e ele vem até ao vidro para defender o território. O dono limitou-se a pôr um mourão para atrair os batuques daquela ave topetuda, ia enganá-la, mas pica-pau não pica pau morto, desiludiu-lhe o guarda.
            Cansado e de olheiras, não estava a fim de discutir o sexo das aves, mudou-se de quarto, para o lado oposto da casa, onde seu gato perambulava com maciez e miava sutil, era um recuo estratégico, até que as aves findassem as sessões de acasalamento. Mas qual o quê?
Por estranho motivo, na manhã seguinte a ave bicava a janela de seu novo quarto e mais intensamente. Parecia que seus hormônios afloravam de vez e lutava com um bando na janela. O gato o viu, mas o intruso só via o oponente empenado. O felino subiu sobre um móvel e batia a pata no vidro para afugentar o intruso. O pica-pau voltava com manobras e loop de voo e atacava a vidraça como esquadrilheiro, mas de susto o gato perdeu o equilíbrio, caindo se agarrou num xaxim da parede que se esfarelou no chão e caiu em pé rosnando. Miava feito uma onça, a predador, voltou sobre o móvel saltando e arranhando as paredes e tentava revanche contra o bicudo que enchia a janela de tóc-tóc desesperados.
Se as crianças abrissem a janela para a ave entrar, o outro lado da realidade seria mais fatal ao pássaro. Mal sabia a ave nervosa que lutava com um pica-pau imaginário, podia ser comido por um gato invisível e morto numa toca de humanos.

sábado, 12 de maio de 2012

Amigos, grato pelos acessos da semana passada. O café é um tema rico não só para a economia dos anos passados e talvez de hoje, mas para o encontro, as classes do pé sujo, dos engravatados, dos enamorados, dos mais simples ou mais frescos, cultivam o hábito de tomar café ou, se não, por algum efeito gástrico como um amigo meu (que me deu uma reprimenda, sentido, magoado e dizendo - já não disse que não tomo café - ainda vou escrever sobre isso!). O café é tão emblemático que tem o café preto e o café-com-leite, o café forte, o café fraco, o café do bule, o café torrado e moído na hora, café preto é daqueles mais decididos, toma numa virada e nem assopra o fervor e geralmente o tomam de manhã para acordar, o cérebro nem sente a língua se queimar e podem se tornar de língua ferina, como eu às vezes.
Bem, depois dessa introdução, se quiserem ler o texto abaixo é de minha singela autoria e como não sou personalidade, perdoem os erros que não perdoam àqueles. Agradeço aos editores da Prosa & Verso, coluna de literatura do jornal A Tribuna, daqui de Piracicaba, pela publicação do texto abaixo.

O elevador e o confidente

Não havendo outro lugar, escolheu aquela caixa metálica, com duas portas frias, como esconderijo às suas lágrimas. Precisava de algo que a levasse dali, numa evasão física da dor, que ascendesse deste espaço transitório, limitado, a outro mundo quem sabe.
Quando as portas se fecharam sorria aos convivas naquele barulho costumeiro de ar comprimido entre abrir e fechar, seus olhos se abriram para dentro, escondidas à outra do espelho, de costas. Um lenço cheiroso e as lágrimas copiosas de maquiagem desfeita desciam em veios e brilho dos olhos próprios, sim, os que mostravam a alma.
Àquela hora última o elevador dessa ala estava no vazio de um momento pessoal dela, que subia a pensar ouvir vozes, ecos do poço do mesmo. Do outro lado do edifício as pessoas quietas, somente alguns passos e toques de paradas do elevador, oposto ao de serviço, inativo à noite.
O seu transporte parou no último andar. Parou e abriu. Alguém daquele apartamento com a porta aberta chamou:
- É você?
Via-se do elevador a cozinha com mesa posta, com toalha de rendas e o bule verde, tudo com o requinte de espera.
- Quer café?
Não, bastavam-lhe a visão, o aroma incontido e a lua que passeava deserta, mas aceitou depois de duas últimas lágrimas, enxutas com o canto do lenço vermelho.
Lá embaixo um vento varre o céu e as estrelas num cinzento amargor, mas alguém corta pelo passadiço, apressado e vai embora pela outra calçada. Cá, o café esquenta os ânimos. Já pensaram como são frios e solitários os elevadores, nesse outono? Naquela época, muitos a achavam minha conquista amorosa, mas ela apaixonara-se por outro, que era de muitas outras, desalmado, e eu o confidente crônico dessa alma. Nada mais.
Aos que se interessarem por ficção científica e por uma boa literatura, segundo o autor em causa própria, adquira o meu livro As ciladas do <Androide>, pelo e-mail camilo.i@ig.com.br