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domingo, 3 de julho de 2011

As três lágrimas e uma interpretação

 As três lágrimas e uma interpretação
Este texto antigo declamado Brasil afora e em muitos brasis, leva em seu declamador um depositário de escuta e oralidade. Três lágrimas porque são três momentos de um caboclo enamorado: o pedido em namoro, o casamento e a morte da esposa, talvez pela febre amarela (face amarela).
Eu sempre o achei um pouco mórbido, como se no final o caipira definhasse, assim foram em todas as declamações que vi e ademais a cultura interiorana cultiva a religiosidade, as peregrinações, as relações domésticas e de vizinhança – coisas que tornam fatos tristes em cantos de dor, saudade e de fé.
No início do poema caipira... “se eu pudesse esquecê...” denota uma história pungente de quem quer esquecer, mas precisa contar, dividir a dor. O lugar é público, uma festa de São João. Foi atraído à consorte pelos encantos simples, dos olhares seus nos dela, pelo vestido de chita, tecido ordinário e o único de festa – nos três momentos é o mesmo “vestido de chita, todo enfeitado de fita”. A arte do encontro, a atração o fez dedicar-se àquele amor seu.
Na primeira vez, no pedido de namoro, seus olhos se “orvaiô” porque tinha uma esperança. No ano seguinte eram noivos, foi uma empolgação de estar “satisfeito” apresentando a todos a quem amava, com ufania - esta lágrima não conseguiu segurar por tanta felicidade.  A última lágrima foi lancinante e triste: a morte da amada.
A realidade impõe-se com quatro velas e a deposição, cortando o destino que pensava tão feliz. Triste, tocante e fúnebre mesmo. Diriam os(as) leitores(as) que o autor deixou um texto da própria vida ou de alguém bem próximo e com muita mestria. Talvez. Sempre gostei do texto, mas no final não me permitiria a tantas lágrimas e achava muita morbidez, não queria vivenciar isso e quê medo de estar no lugar deste caipira. Todavia, a apresentação deste texto na peça Patacoadas do Cornélio Pires sempre me fez questionar esse definhamento ou morbidez.
Ora, aqui muitos declamadores põem termo à apresentação de forma lacônica, grotesca, seca, como a matar a própria vida dentro de si.
Creio que o ator Bruno Agulhari foi feliz ao declamar. Deu-me outra percepção desta obra. Talvez a que o autor quis dizer mesmo. Na sua interpretação, no “os meus zóio se seco”, se as vê contidas em despedida a quem o faz descobrir o amor, os gestos do ator são como uma ave que voa livre (a alma dela? Desapego?). Na última lágrima do texto: “...eu não queria que ela fosse ansim, sem se adispidí de mim, garrei na cabeça dela e como um loco bejei...as minhas lágrima inundo os óio dela...”, o ator declamador mostra que ele se consumou nela morta e se separou. Se o caipira que sofreu esse golpe do destino realmente tivesse as lágrimas secas, não comporia essa obra prima e se outro lhe aproveitou o “fato contecido”, não deixaria as lágrimas secas, ia colhê-las sempre pela releitura e pela gratidão de quem o fez humano, a menina do vestido de chita. A vida se renova com a gratidão de sentimentos e esta obra vai ser um registro de como sente o mundo e por certo amará novamente.
SE EU PUDESSE ESQUECÊ
AQUELA NOITE DE SÃO JOÃO
MAS QUÁ
ERA A MOÇA MAIS BONITA
COM SEU VESTIDO DE CHITA
TODO ENFEITADO DE FITA
QUE PISÔ NA POVOAÇÃO
NO VORTIADO SAPATIADO
FOI QUE NÓIS SE CUNHECEMO
NOSSOS ÓIOS SE ENCONTRARAM
NOSSOS ÓIOS SE GOSTARAM
E NÓIS TAMBÉM SE GOSTEMO
NO GEMÊ DA VIOLA
NESSA DOR QUE NOS CONSOLA
EU FIZ A DECLARAÇÃO
E COMO QUEM PEDE ESMOLA
OS MEUS OLHO MENDIGAVA
UM OLHA DOS OLHO TEU
E QUANDO A ESMOLA CHEGOU
CHE MEU DEUS
EU NÃO SEI O QUE SENTI
NÃO SEI MEMO PRA QUE MENTI
EU NÃO SEI COMO FOI AQUILO
SENTI UM NÓ NOS GORGUMILHO
UMA VONTADE DE CHORAR
MAIS QUÁ TUDO CANSA
OS MEUS OLHO SE ORVALHÔ
E UMA LÁGRIMA ROLÔ
PRA MODE EU TE ESPERANÇA
E UM ANO MAIS SE PASSÔ
QUANDO FOI NO OUTRO SÃO JOÃO
ERA A NOIVA MAIS BOBITA
COM SEU VESTIDO DE CHITA
TUDO ENFEITADO DE FITA
NESSA NOITE DO SERTÃO
QUANDO SAIMO DA IGREJA
TUDO MUNDO TINHA INVEJA DA NOSSA FELICIDADE
EU TAVA TÃO SASTIFEITO,MAIS TÃO SASTIFEITO
PARECIA QUE MEU PEITO QUERIA
SE ARREBENTAR
EU INTÉ NUM SEI EXPRICÁ
QUEM DIZ,OS MEUS OLHO SE OEVALHO
E OUTRA LÁGRIMA ROLÔ
PRO MODE EU SÊ TÃO FELIZ
MAIS QUANDO FOI NO OUTRO SÃO JOÃO
QUATRO VELA ACESA LÁ NA MESA
ALUMIAVA SEU CACHÃO
INDA TAVA MAIS BONITA
COM SEU VESTIDO DE CHITA
TUDO ENFEITADO DE FITA
E UM RAMO DE FRÔ NA MÃO
QUANDO FOI PRELA PARTÍ
EU NÃO QUERIA QUE ELA FOSSE
ANSSIM SEM SE ADESPEDÍ DE MIM
GARREI NA CABEÇA DELA
E COMO UM LOCO BEIJEI,
BEIJEI SUA FACE AMARELA
NA HORA QUE ELA PARTIU
EU JÁ NEM SABIA CHORÁ
O RESTO DAS MINHA LÁGRIMA
EU DEI PRA ELA LEVÁ
AGORA AS VEIS DE TARDINHA
EU GARRO DE CISMA,DE CISMA
E DE REPENTE SEM QUERER
NUM SEI PURQUE
MA DA VONTADE DE CHORÁ
MAIS QUA QUEM A DE
O MEU PRANTO SE SECÔ
NA DOR DESSA SODADE
eta - TV Cultura - SR BRASIL - fotos:
Autor como A. Campos Negreiro

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