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domingo, 3 de junho de 2012


COMO FOLHA DE COQUEIRO A DESPENCAR

O olhar parou na única folha seca, quase despencando do alto, próxima ao chão do canteiro da avenida, vinda de um coqueiro de tronco mais grosso. Glaucia no ponto. Espera o primeiro ônibus. O último a deixará na esquina de uma das quatro escolas onde trabalha. “É um trabalho, não um passatempo!”, reflete ela.

            Sente-se cansada, nos seus trinta e nove anos, 16 nesta profissão de docente. Cansada, não de uma canseira cotidiana e banal, mas de uma canseira acumulada e que extrapola qualquer entendimento. Apesar disso, notou que as folhas de baixo, as mais velhas, murcharam e pareciam morrer primeiro, mas nem sempre é assim, ponderou. Quando chegaria a vez dela? A própria morte não a incomodava, sabia que iria a qualquer momento, mas estaria pronta para o embarque, sem malas? “Tantas pessoas já pareciam mortas!”

            Em sua maleta – aquela que vinha “paquerando” na loja, cara, mas bonita e prática, agora havia livros, diários de classe, 500 avaliações já corrigidas no final de semana, apagador, biscoito integral, garrafinha d’água, uma banana, os passes de transporte coletivo, lenços descartáveis para a rinite que a atacara nos últimos anos. – Consequência dos sapos que você engole! – ouvia sua terapeuta holística falando precisa pôr pra fora!

Glaucia, há tempos, jogara tudo para fora. Vamos aos acontecimentos.

             “A porta é serventia da casa!” – dissera, na ocasião, ao aluno Peterson Sidnei quando este a enfrentou com sorriso distraído e irônico.

– Você não sabe distinguir a democracia de uma ditadura! – disse ela, gritando – apesar de que, às vezes, nem eu consigo fazer a distinção! É o poder do povo, da maioria!!!  – continuava gritando e olhando fixamente aquele garoto.

Não suportando mais:

 –Vou baixar também o nível.  Já baixei – foi em direção a ele, que ria dela.

 Quando ela pôde ver-se não gostou do que viu. Estava sobre ele, com as mãos no pescoço do adolescente, quase deitado sobre a mesa da “mestra”. Ela deu-lhe um xeque. Mate. Sim, era ela. Glaucia, que já havia tentado, noutro ano, outra ideia: passara a seguir um jovem aluno pela sala de aula, caminhando atrás dele e imitando os seus gestos. Durante quase dez minutos susteve a farsa, que acabou quando ele, Fagner, sentou-se em sua cadeira e abaixou a cabeça sobre a carteira.  “Achei que o meu teatro servisse para alguma coisa, oras bolas!” – pensou ela, confusa.

            No ponto de ônibus olha agora em direção ao cacho de coquinhos acima das folhas, também seco de um marrom cinza. Murchou antes de amadurecer, ainda em floração. Que estranho, observou ela, o que lhe teria acontecido para pular etapas de maturação? Teria similitude com aquela adolescente de 17 anos, a medíocre Carolina Andreza, a viva-morta antes de frutificar? Mas quanto tempo aquele coqueiro permaneceu florido? Tempo suficiente para acolher abelhas, borboletas, pássaros, formigas ou lagartas?...

 Observa o relógio no pulso, ônibus atrasado de novo. Coça o queixo como de costume, remexe no bolsinho externo da maleta, talvez para disfarçar os olhares de estranhos. Um ônibus?! Não era o seu! Bocejou com os supostos olhares dos passageiros no ônibus que parara e sentiu suas ansiedades e tensões. Mentalizou luz colorida a eles e fez uma oração, afinal tinha tempo ainda. Achou melhor sentar-se, porém o banco de cimento gelado estava quebrado e servia de rampa aos skatistas menos habilidosos, quando o vai e vem nas calçadas diminuía nos finais de semana.

            Na possibilidade do atraso (ela detestava atrasar-se), já via alguns alunos dizendo à porta  “por que veio hoje, dona?”

“Meu nome é Glaucia, prazer, queridos!” Sentiu-se indigna e vazia, “nem sabem nosso nome, somos apenas Dona, não sou dona de nada, só de meus conhecimentos.”  Lembrou do outro “botar tudo pra fora”: mandou um aluno do supletivo procurar um psicólogo e parar de lero-lero. Este se virou pra frente da sala – até então estava sentado, de costas para ela. Foi chutando carteira, xingando em sua direção e fazendo-lhe ameaças. Ela não reagiu, os colegas o seguraram, estava dopado. Ela não percebera, e na próxima semana a professora iria para casa olhando pra trás a cada dois passos.  “Que sufoco, ufa! Mas o ano letivo estava terminando, ainda bem, refletiu em sua angústia solitária”.

            Sua atenção desviava-se agora ao som das andorinhas, em coro afinado. Pareciam tão felizes. As folhas verdes do coqueiro balançavam com a brisa daquela manhã, exceto a que secou; outros coqueiros avizinhavam-se em linha reta, pareciam também animados com a brisa, mas onde estava o bando de andorinhas? Forçou o olhar nas vastas folhas, nada! Se não queriam expor-se, tudo bem, um direito do bando! Concentrou-se a ouvir os seus gorjeios, fascinada.

– Por que tenho de vê-las? As andorinhas são reais e pronto! Livres! Queria ser igual a elas, não ter de enfrentar os alunos e entristecer-me novamente, salvo as maravilhosas exceções. E o ônibus? Na certa quebrara de novo!

– E se eu desse meia volta e fosse pra casa, era ali tão pertinho, ai, ai, ai... Aí não terei de almoçar na escola, de marmita, mas... As andorinhas silenciaram-se, para onde foram?

Pegou o batom da bolsa, passou um pouco nas bochechas, o blush havia acabado. Riu sozinha, disfarçadamente. Voltaram imagens constrangedoras e bizarras do passado. Um dia, ao ser impedida por um adolescente que não era  aluno  de  sua classe de  retornar  a sua sala de aula onde

desenvolvia um seminário riquíssimo, algo ocorreu. O aluno, com o braço no batente da porta, conversava com um colega lá do fundo, ela pediu licença a ele e, sem ser atendida, radicalizou. Sem raciocinar, usou a única arma que lhe veio à mente: ao ver o braço dele, peludo e bonito, bem à altura de seu rosto, não pensou duas vezes, tacou-lhe os dentes, obrigando-o a retirar o braço da porta, num grito. O latão de lixo foi chutado. Tumulto. Glaucia processou dois alunos por impedirem-na de exercer sua função e desrespeitarem o seu direito de ir e vir. Pôs no B.O tudo que pôde.

            E ainda, imagens de começo de carreira invadiram suas lembranças. Numa aula noturna aproximou-se de um  jovem que  a  vinha incomodando  e  fazendo  ameaças  desde  o  início do ano

letivo, sentado ao fundo da sala.  Era junho, ela apontou o dedo em riste para ele, sem que os da frente vissem, com um sussurro, discreta, abaixou-se à frente dele e delicadamente o ameaçou, em blefe:

            – Olha! Eu, se fosse você, a partir de hoje iria embora olhando bem pra trás e tomaria cuidado com a sua casa. Você não me conhece e tampouco a quem sou ligada, é um estalo de dedo e já era, sacou, bicho?

 Afastou-se sem testemunhas e continuou a aula. Eduardo Jonathas, branco, arroxeou-se, e as aulas caminharam com destino diferente a partir daí.

– Tive que apelar, porém, só assim conseguiria trabalhar. Nessas condições, somente os loucos podem realizar proezas impossíveis aos normais, concluía.

            Finalmente o transporte chega. Não era o seu, ainda! – É! O ônibus quebrou de novo mesmo. – Pensava, trêmula, na sala de aula, enquanto lembrava das carteiras novas já com caras de velhas. Que autoridade? Por que não desafiam o governador, o secretário ou o raio que o parta? Quem suporta o barulho? A chamada de presença obrigatória? “um saco!” E pedir, então, por favor, por favor, por favor, a aula toda para desligarem o celular, a música ou blá blá blá blá no ouvido.  Glaucia revive o dia anterior: sentando-se atordoada – raramente sentava – leva as mãos aos ouvidos, põe o protetor auricular “ou talvez eu devesse ouvir música também” e diz a si mesma:

– Quero o silêncio daquelas andorinhas, não quero me transformar no jovem cacho seco do coqueiro, nem no conformismo da maioria.

Pela lista do diário de classe – possuía 18 diários – chamou Jimmy, aquele que nunca era visto com os apetrechos tecnológicos proibidos durante as aulas, só no intervalo, e notando que faltava há mais de uma semana, indagou:

            – Onde está o Jimmy? Alguém sabe dele?

            – Morreu, Dona. – disse Mônica, a menina de cabelo chapinha, com MP3, e meio indiferente. E completou: – morreu atravessando a estrada. É, Feio! ce não credita, pergunte pro Jesus. – disse olhando cinicamente ao colega do lado.

            – É nada, Dona! O trator caiu em cima dele, não sobrô quase nada, é isso aí!

            Assustada, perdida, ainda teve tempo de ouvir uma terceira e quarta opiniões, as de Nádia e as de Kevin Marcel:

            – Jimmy não veio porque o pai tá preso, desempregado, o irmão foi espancado e ainda por cima pegou fogo na casa dele. Isso é tudo, professora!           

Uma chuvinha miúda recomeça, a professora se espreme num canto, mas teve de abrir a sombrinha colorida. Adorava andar com sombrinha quando chuviscava, “é romântico!”. Mais uns oito minutos passam-se, as preocupações e os temores se fortalecem enquanto encara os ponteiros caminhando atrevidamente. Abre a maleta, pega o antidepressivo e o calmante, atira-os à lixeira umedecida pelos pingos. A chuva diminuíra. Agita a sombrinha rapidamente para as gotas caírem. Fecha-a com delicadeza habitual. Aperta a maleta na mão esquerda, mantendo a sombrinha na direita, vira-se e sai em direção a sua casa. “Vou mudar de profissão, plantar coqueiros, quem sabe!”

Meses depois, ao passar pela Avenida, Glaucia percebe que aquela folha seca quase desprendendo do coqueiro, em frente ao ponto de ônibus, ainda estava lá, segura, firme, ligada ao tronco do coqueiro, uma fortaleza.

–É realmente incrível! Como pode?!

             


Divido com vocês o meu conto premiado no XXXVII Conc. de Contos da Associação Nacional de Escritores (ANE) 2012.
Obrigada a vocês, que têm me acompanhado com tanto carinho.



sábado, 19 de maio de 2012

Este texto abaixo foi postado em 2010 e reposto porque hoje lembrei dele e de como o compus de ouvir meu irmão contando e de um amigo lá do sul que morava em lugar semelhante. Espero que curtam.
O blogueiro

          Casa na enseada
           Sobre o monte fez uma mansão. Obra faraônica ao lado de uma reserva de floresta. Os quatis passeavam pelos corredores, a noite já pensara ouvir miados de onça, abaixo um riacho ou veio de água também era ouvido. Pelos enormes vidros do corredor interno ao lado do quarto viam-se macacos saltando pelas árvores próximas.
            Dentro da mansão-casa, nos seus domínios mantinha um angorá de estimação, posudo, doméstico e acomodado. Os vidros lhe davam a visão do pôr-do-sol e o amanhecer mais lindo do monte, a ver o mundo como Zeus, mas os quatis que passeavam fora não via o gato – as janelas tinham vidros especiais. Via-se de dentro para fora, mas não de fora para dentro.
            Numa manhã o dono acordou com um tóc-tóc de leve. De inicio não se incomodava, virava e dormia, sonolento. O que era? Não, não tinha forças para levantar, cansado. As crianças viram - Papai, é um lindo pica-pau! Os filhos admiravam-se de ver um pássaro arisco e tão próximo – os vidros especiais permitiam. Eles o viam, mas o pássaro via a si mesmo. Estava medindo força com um rival, seu reflexo. A casa ali era perfeita, mas o guarda florestal advertiu, era próxima de uma reserva e o invasor eram eles. As crianças desciam pelas trilhas e voltavam com os olhos brilhando ante a diversidade e exuberância. A esposa e as crianças adoram a moradia, mas nas primeiras horas do dia aquele tóc-tóc e com o passar do tempo a ave estava mais insistente. É a fase de acasalamento, estão no cio – explicava o policial do IBAMA – e matá-lo é crime inafiançável, heim! Dá cadeia mesmo, é pior que sonegar imposto. O amigo biólogo o acalmava – é um casal, não vê? Ela fica lá na árvore comendo bichinhos e ele vem até ao vidro para defender o território. O dono limitou-se a pôr um mourão para atrair os batuques daquela ave topetuda, ia enganá-la, mas pica-pau não pica pau morto, desiludiu-lhe o guarda.
            Cansado e de olheiras, não estava a fim de discutir o sexo das aves, mudou-se de quarto, para o lado oposto da casa, onde seu gato perambulava com maciez e miava sutil, era um recuo estratégico, até que as aves findassem as sessões de acasalamento. Mas qual o quê?
Por estranho motivo, na manhã seguinte a ave bicava a janela de seu novo quarto e mais intensamente. Parecia que seus hormônios afloravam de vez e lutava com um bando na janela. O gato o viu, mas o intruso só via o oponente empenado. O felino subiu sobre um móvel e batia a pata no vidro para afugentar o intruso. O pica-pau voltava com manobras e loop de voo e atacava a vidraça como esquadrilheiro, mas de susto o gato perdeu o equilíbrio, caindo se agarrou num xaxim da parede que se esfarelou no chão e caiu em pé rosnando. Miava feito uma onça, a predador, voltou sobre o móvel saltando e arranhando as paredes e tentava revanche contra o bicudo que enchia a janela de tóc-tóc desesperados.
Se as crianças abrissem a janela para a ave entrar, o outro lado da realidade seria mais fatal ao pássaro. Mal sabia a ave nervosa que lutava com um pica-pau imaginário, podia ser comido por um gato invisível e morto numa toca de humanos.

sábado, 12 de maio de 2012

Amigos, grato pelos acessos da semana passada. O café é um tema rico não só para a economia dos anos passados e talvez de hoje, mas para o encontro, as classes do pé sujo, dos engravatados, dos enamorados, dos mais simples ou mais frescos, cultivam o hábito de tomar café ou, se não, por algum efeito gástrico como um amigo meu (que me deu uma reprimenda, sentido, magoado e dizendo - já não disse que não tomo café - ainda vou escrever sobre isso!). O café é tão emblemático que tem o café preto e o café-com-leite, o café forte, o café fraco, o café do bule, o café torrado e moído na hora, café preto é daqueles mais decididos, toma numa virada e nem assopra o fervor e geralmente o tomam de manhã para acordar, o cérebro nem sente a língua se queimar e podem se tornar de língua ferina, como eu às vezes.
Bem, depois dessa introdução, se quiserem ler o texto abaixo é de minha singela autoria e como não sou personalidade, perdoem os erros que não perdoam àqueles. Agradeço aos editores da Prosa & Verso, coluna de literatura do jornal A Tribuna, daqui de Piracicaba, pela publicação do texto abaixo.

O elevador e o confidente

Não havendo outro lugar, escolheu aquela caixa metálica, com duas portas frias, como esconderijo às suas lágrimas. Precisava de algo que a levasse dali, numa evasão física da dor, que ascendesse deste espaço transitório, limitado, a outro mundo quem sabe.
Quando as portas se fecharam sorria aos convivas naquele barulho costumeiro de ar comprimido entre abrir e fechar, seus olhos se abriram para dentro, escondidas à outra do espelho, de costas. Um lenço cheiroso e as lágrimas copiosas de maquiagem desfeita desciam em veios e brilho dos olhos próprios, sim, os que mostravam a alma.
Àquela hora última o elevador dessa ala estava no vazio de um momento pessoal dela, que subia a pensar ouvir vozes, ecos do poço do mesmo. Do outro lado do edifício as pessoas quietas, somente alguns passos e toques de paradas do elevador, oposto ao de serviço, inativo à noite.
O seu transporte parou no último andar. Parou e abriu. Alguém daquele apartamento com a porta aberta chamou:
- É você?
Via-se do elevador a cozinha com mesa posta, com toalha de rendas e o bule verde, tudo com o requinte de espera.
- Quer café?
Não, bastavam-lhe a visão, o aroma incontido e a lua que passeava deserta, mas aceitou depois de duas últimas lágrimas, enxutas com o canto do lenço vermelho.
Lá embaixo um vento varre o céu e as estrelas num cinzento amargor, mas alguém corta pelo passadiço, apressado e vai embora pela outra calçada. Cá, o café esquenta os ânimos. Já pensaram como são frios e solitários os elevadores, nesse outono? Naquela época, muitos a achavam minha conquista amorosa, mas ela apaixonara-se por outro, que era de muitas outras, desalmado, e eu o confidente crônico dessa alma. Nada mais.
Aos que se interessarem por ficção científica e por uma boa literatura, segundo o autor em causa própria, adquira o meu livro As ciladas do <Androide>, pelo e-mail camilo.i@ig.com.br

sábado, 28 de abril de 2012

Dia do escritor

Aproveitei o comentário da pesquisa sobre livros da sessão do jornal e coloquei minha opinião.
Resposta ao Grafites de 20/04/2012, no jornal A Tribuna

Sobre o Grafites de sexta-feira, 20, “Em busca de novos escritores”, A Tribuna está de parabéns pelo espaço que vem abrindo para os escritores com a coluna Prosa & Verso semanal e outros campos para artigos e crônicas, bem como divulgação de eventos literários e lançamentos de obras. Considero muito apropriado o texto crítico feito pela coluna hoje, de fato, nós escritores temos de buscar a abordagem correta, dialogar com o leitor de forma sucinta, mas profunda. Não podemos simplesmente destrancar gavetas com escritos velhos, o livro deve ser resultado de um projeto elaborado, quer seja conto ou romance deve ter uma abordagem própria, em detrimento da vaidade do autor. O livro ou texto deve ser tal que o autor saiba dizer sobre ele o que quis dizer e descobrir qual o objetivo quis alcançar, com quem está se comunicando. Se é somente consigo mesmo, que vá fazer terapia. Sou contra o argumento de que o livro tem de ser doado. Exceto aos reconhecidamente pobres, tem de ser vendido sim. Aliás, pela experiência que temos aos tidos como pobres é que fazem questão de pagar e não aceitam mera doação, quando querem possuir uma obra assinada e autografada, mesmo que o escritor seja um vizinho ou conterrâneo. Afinal, o bom livro demanda trabalho e custo, e muito trabalho e amor, amor, e uma verdadeira obra vale por gerações, quer a comprem ou não. Acrescento ainda que escrever pode ser um processo angustiante, de ansiedade, de debilidade física e intelectual, mas é um ato de amor em se comunicar com o leitor transcendental, e quando findo é uma obra, uma vida.

quinta-feira, 8 de março de 2012

A invenção de Hugo Cabret

Amigos, hoje vou fazer uma interpretação deste filme recente dirigido magistralmente pelo Scorsese. Observo que este mesmo diretor fez o Kundun, sobre a vida do dalai lama e a música daquele tem algo a ver com a do filme recente, em algumas partes. Eu fiz um comentário, em princípio, a coluna Grafites da Tribuna Piracicabana, do editor do jornal, por isso me dirigi a ele.
     A invenção de Hugo Cabret                        
 Erich, li seu grafites e fui ver o filme.  A história passa-se depois de 1900, vê-se a torre Eiffel já de construção dessa época. Era vitoriana em que as crianças eram tratadas como adultos, concorrendo para elas os mesmos deveres destes.  O furto famélico, de um pão, era tratado como crime e crianças assim se tornavam “criminosas”. A  História conta que, principalmente na Inglaterra (o enredo se passa na França), os empresários requisitavam órfãos e mulheres para as fábricas, que era mão-de-obra barata.
O menino Hugo Cabret passa pela orfandade com muito esforço em permanecer livre e conquistar um trabalho na profissão do pai, relojoeiro e consertador de engrenagens. O filme gira em torno de um conserto. Do quê? Materialmente é de um autômato, um robô, que o pai de Cabret morre antes de consertar e que pertence a alguém que o abandona. Há uma história singela por trás. O que é o robô, o que são engrenagens, tecnologia da época, de cujas eram as esteiras e máquinas, onde a eletricidade era gerada com manivela e eletroimãs? Uma das respostas aparece quase ao final. Hugo sonha que está salvando o robozinho na vala dos trilhos do trem, que ao parar, derruba toda a estação central, cujo lugar se tornou o seu lar. Noutro pesadelo, o menino sonha que está se tornando ele mesmo no robô – como se a máquina tivesse ou algo tivesse o poder de o transformar. Sonho premonitório, porque no enredo “real” do filme acontece, não igualmente, mas de forma análoga. E quem é o robô que salva das linhas trem e de cujas foi salvo pelo guarda de perna mecânica que o perseguia? O diálogo com o criador da máquina responde.  Cabret se desculpa, desconsolado, salvou da destruição completa, mas quebrou ao cair; ao que, o criador do robô abraça a máquina que há muito construíra e diz que estava perfeitamente bem para o que precisava. Ou seja, depreende-se que o valor era sentimental e um símbolo de tudo que recuperara de sua vida e de seus sonhos, mesmo com uma máquina quebrada as engrenagens do seu cérebro voltaram a funcionar – o robô era uma “mera simulação”, projeção.   As engrenagens e os relógios dão o tom aos sonhos da época. Marcam o tempo, o temo é tudo diz o tio de Cabret, que morre no rio Sena e deixa a estação toda aos cuidados do órfão que vive num contínuo despiste ao guarda de perna mecânica e miolo mole, bem mole, e que representa a autoridade da época – ou seja, meninos podem ser bons ou adultos maus. A estação que guarda este homem de uniforme e perna mecânica é por onde a vida de todos passam, sob relógios de idas e vindas de trens, só Cabret permanece na torre, entre as engrenagens. Há algo mais simbólico? O diretor Scorsese fez uma obra magistral, mas poderia ter feito melhor em minha opinião, pois não colocaria o Ben Kingsley no papel do criador do robô, pois este personagem devia crescer no final e Bem Kingsley, a meu ver, não conseguiu fazê-lo mais que esforço – nesse papel seria outra pessoa, um ator, que se esforçasse para ser duro no início e se desvelasse humana no final. O protagonista de Gandhi é duro, um ator duro. A escolha de Scorsese foi difícil e tentou com Bem. Eu talvez escolhesse outro final, colocaria uma personagem de viagem na história, para dar a sensação do transitório, uma pessoa comum que saísse daquele vai-e-vem em que as crianças trombam e que quase passam sobre a menina em suas pressas.
Meu terceiro livro continua à venda e os interessados entrem em contato para adquirir As ciladas do <Androide>. O preço de capa é R$15,00, ms vc fornece o endereço, eu mando autografado e deposita-me se aprovar a obra, o e-mail para contato está na contracapa e daí lhe forneço conta e banco. Grato.